quinta-feira, 15 de março de 2012

COMUNICAÇÃO E EDUCAÇÃO:

A POSSIBILIDADE E A NECESSIDADE DO USO DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO NA ESCOLA
Rosa Maria Cardoso Dalla Costa
Doutora Em Ciência da Informação e da Comunicação
 pela Université de Vincennes – Paris VIII, França.
Professora do curso de Comunicação e do Programa de
Mestrado em Educação da Universidade Federal do Paraná.


Resumo: O presente texto faz uma síntese da história dos meios de comunicação na sociedade, da escrita à internet, mostrando suas principais implicações econômicas, políticas e sociais. Demonstra em uma primeira parte que a comunicação possui três dimensões: a antropológica, a técnica e a social, que se relacionam e caracterizam cada momento histórico de forma diferenciada. Evidencia que cada nova tecnologia da informação e da comunicação paradoxalmente aumenta as possibilidades de concentração e manipulação de poder ao mesmo tempo em que oferece novos canais de acesso à informação e à circulação de idéias. Faz uma caracterização de tais meios na sociedade atual e analisa suas implicações na escola. Finalmente aponta as possibilidades e necessidades de uma aproximação entre comunicação e educação no âmbito escolar.

Palavras-chave: comunicação-educação, televisão e escola, educação para os meios

1– Histórico dos Meios de Comunicação na Sociedade

            A comunicação é inerente à condição humana. O homem se reconhece como tal pela sua capacidade de se comunicar, de criar símbolos que representam suas idéias e de relacioná-las e sistematizá-las. Dessa forma, comunicação e conhecimento caminham lado a lado: o conhecimento só é reconhecido à medida em que é sistematizado e comunicado.
            A história do homem e a história da comunicação revelam que desde o momento da tomada de consciência da importância da comunicação e do conhecimento, ambos são utilizados como instrumentos de poder e controle social. Paradoxalmente, cada nova invenção representa uma possibilidade nova de emancipação do indivíduo e de novos acessos à conquista do conhecimento.
            Assim, por mais que possamos tecer críticas ao telejornal noturno, que se transformou num verdadeiro ritual cívico e biológico para telespectadores ocidentais (MERCIER, 1996), não podemos negar que é ele a única fonte de informação através da qual milhões de telespectadores ficam a par dos principais acontecimentos do seu país e do mundo e dele passam a fazer parte, ainda que apenas imaginariamente. Por mais que possamos criticar a concentração de computadores e de equipamentos de alta tecnologia informacional em países desenvolvidos, não podemos deixar de admitir que sua simples existência já representa uma possibilidade real muito maior que as anteriores, de acesso à informação e ao conhecimento.
          Vivemos em uma sociedade determinada pela presença dos meios de comunicação de massa, que ditam opiniões, costumes, necessidades de consumo e modelos de felicidade e de prazer. A escola - que prepara os indivíduos para serem autônomos e sujeitos ativos dessa sociedade - não pode cumprir o seu papel se não inserir a discussão desses meios no seu cotidiano, que aliás, também é caracterizado pela maneira como alunos e professores recebem e interpretam as mensagens midiáticas.
          É esse o universo contraditório e complexo da relação comunicação e educação que se pretende aqui discutir.  Vejamos então, como se deu esse processo que chamamos de democratização do conhecimento a partir da análise de quatro grandes invenções da história da comunicação: a escrita, a imprensa, os meios eletrônicos de comunicação – rádio e televisão, e a Internet. Invenções que mudaram, cada uma a seu tempo, a maneira do homem se relacionar com a sociedade, com a maneira de adquirir conhecimento e, conseqüentemente, com a escola.

1.1 – A invenção da escrita e a sistematização de idéias

“Embora os homens nasçam e morram há um milhão de anos, só passaram a escrever há seis mil anos” Etiemble (JEAN, 2002, p.11)

            Se analisarmos a história da humanidade, perceberemos que a invenção da escrita só é possível a partir da evolução intelectual do homem, que implica na sua capacidade crescente de dar sentido aos sons que é capaz de produzir, criando a fala para em seguida, registrá-los através de símbolos escritos. Tal evolução situa-se no momento em que o homem se fixa a terra, começa a organizar sua produção que, por sua vez, começa a exceder sua necessidade de consumo. Dessa forma, a invenção da escrita como as demais invenções da comunicação, pode ser entendida a partir de três dimensões, a antropológica, a técnica e a social. Antropológica, porque está diretamente ligada à condição humana: só o homem é capaz de criar símbolos e representar suas idéias através dele. Técnica, porque cada novo suporte de comunicação incorpora o estágio de desenvolvimento do homem e sua capacidade de produzir instrumentos no seu contato com a natureza. Social, porque essas invenções só ganham sentido a partir do uso que se faz dela socialmente.
            A escrita representa assim um marco na história da racionalidade humana. A partir dela, a história do homem pode ser registrada e ensinada de geração em geração, com muito mais objetividade do que quando era feita apenas oralmente, principalmente depois da invenção do alfabeto, que facilitou o início da educação dos povos. O ideal de universalização do saber, entretanto, sucumbe à necessidade econômica, de se registrar a produção agrícola e política, de se manter o poder ao alcance de uma minoria. Os escribas, operadores da nova invenção, passam a desfrutar de privilégios que variavam de acordo com as características sociais e culturais de cada povo. Os egípcios utilizam a escrita prioritariamente para fins religiosos, enquanto os gregos a utilizam para fins culturais e os romanos para fins políticos. Quem dominava a escrita tinha acesso às bênçãos dos deuses, à cultura e ao exercício da cidadania. Participavam assim da vida social. A escrita representava a primeira técnica de comunicação a permitir o ingresso de um indivíduo na sociedade.
            Processo interrompido com o início da Idade Média, no qual a escrita e os manuscritos até então produzidos foram literalmente trancafiados nos mosteiros religiosos.
            Objeto de veneração, livros manuscritos ficaram restritos a uma pequena camada do clero, hierarquicamente superior às demais. A objetividade subversiva do texto escrito, ainda que muitas vezes alterado segundo a versão de cada copista, não atendia aos propósitos de uma igreja dogmática e autoritária nem tão pouco de uma aristocracia feudal centrada nos seus próprios interesses.
            Mas a mesma Idade Média, berço do obscurantismo e do controle de idéias, é berço também das principais invenções que revolucionarão a sociedade a partir do século XV.

1.2- A Imprensa de Gutenberg e a criação do Estado democrático

            A primeira dessas grandes invenções é a imprensa, criada por Gutenberg em 1445, que inicia o processo industrial de produção, consolidado a partir da Revolução Industrial de 1750. Mais do que representar a possibilidade de se reproduzir inúmeras cópias de um mesmo texto, a imprensa de Gutenberg representa um avanço da humanidade em prol da objetivação do texto escrito, não mais sujeito às interpretações desse ou daquele copista. É bem verdade, que os interesses editoriais que passam a vigorar logo depois, limitam essa tão idealizada objetividade. Porém, a impressão de livros em grande quantidade, sua divulgação nas cidades e universidades, abrem novas possibilidades de acesso ao conhecimento para camadas sociais até então marginalizadas.
            O texto escrito passa a ser mercadoria, determinada pelos interesses daqueles que tinham condições de produzi-los. Contudo, para produzir lucros, precisava ser distribuído para um número cada vez maior de pessoas e aí novamente, seu paradoxo.
            A imprensa é um marco na história da comunicação e mais uma vez não pode ser dissociada de suas dimensões. O homem que utiliza a imprensa é um homem muito mais complexo intelectualmente do que o que criou a escrita. Tem meios de produção mais sofisticados, que exigem não apenas o registro da produção, mais uma série de novas informações necessárias à criação de modernas redes de comercialização. Vive numa sociedade em mudanças, na qual os valores políticos e religiosos estão sendo questionados.
            A imprensa reflete e impulsiona tais mudanças e está de tal forma a elas ligadas que é impossível discernir até que ponto as influencia ou por elas é influenciada.

            Segundo McLuhan (in GIOVANNINI, 1987, p.88)
                          ...o procedimento mecânico para a produção em série de livros equivale,
                             como momento de ruptura entre duas épocas históricas, à invenção do
                               alfabeto fonético, traduzido posteriormente em escrita, que afastou a
                           civilização do mundo ocidental da dimensão auditiva para mergulhá-la,
                           embora não inteiramente, na dimensão visual.

            São necessários dois séculos até que a invenção técnica seja verdadeiramente apropriada pela sociedade. É apenas no século XVII que a sociedade passa a ter a necessidade da instituição imprensa, responsável pela divulgação de informações que garantam a transparência democrática e, claro, incrementem as transações comerciais além das fronteiras nacionais.
            Os jornais diários, produzidos por empresas de comunicação que transformam a informação em mercadoria e profissionalizam o metier dos “profanadores de segredos”, chegam ao auge no século XIX. Embora ainda restritos às camadas alfabetizadas da população, os cotidianos europeus, norte-americanos e até mesmo brasileiros, trazem consigo o germe da democracia e dos direitos iguais para todos propagados pela Revolução Francesa de 1789.
            Verifica-se aí, uma mudança radical no sentido que a comunicação passa a ter na sociedade. Ainda que cada vez mais industrializada e capitalista, a imprensa representa uma possibilidade de democratização da informação e do conhecimento muito maior do que se tinha tido até então. A própria busca do lucro, através da venda de espaços para publicidade, faz com que as empresas prezem pela credibilidade e imparcialidade –ainda que aparente – de sua matéria prima primordial: a notícia. A conhecida fórmula “para ter anunciante é preciso ter leitor e para ter leitor é preciso ter credibilidade” provoca pelo menos no plano das idéias, a ilusão de que os direitos de todos estão assegurados por um quinto poder, sempre alerta, sempre a postos para observar se alguma coisa está fora de ordem.
            Capitalismo e imprensa se tornam indissociáveis.  Os avanços tecnológicos impulsionam um e outro ao mesmo tempo. O telégrafo e o telefone são incorporados às redações, que passam a assinar serviços de agências de informações que alimentam a curiosidade de empresários sobre negócios distantes e acabam por aproximar países e até mesmo continentes. Descobertas científicas nas áreas de química e física permitem o aprimoramento das técnicas de registro e reprodução da imagem fixa e em movimento assim como do registro e transmissão do som. Era o anúncio das grandes invenções eletrônicas que revolucionam a sociedade do século XX.

1.3- A comunicação eletrônica: o rádio e a televisão de massa

            A sociedade novamente leva um tempo para se apropriar dessas invenções eletrônicas de comunicação já experimentadas no final do século XIX e início do século XX: primeiro o rádio e depois a televisão.
            Por pelo menos trinta anos, o rádio permanece como uma forma de comunicação restrita às forças militares ou a grupos e associações culturais. É apenas depois do final da Primeira Guerra Mundial, que começam a surgir as primeiras rádios comerciais, através das quais eram transmitidas informações e entretenimento para as grandes massas urbanas.
            Ressaltemos aqui a importância que tem a invenção do rádio para o alcance do ideal de democratização social. Informações até então restritas às camadas letradas da população – cada vez mais expressivas, é bem verdade, mas ainda minoritária  – passam a atingir também camadas não alfabetizadas dos grandes centros urbanos e até mesmo de países menos desenvolvidos e fora do circuito industrializado mundial, nesta altura já consolidado.
            Não se pode negar que da mesma forma, aumentam as possibilidades de uso dessa nova invenção para fins de manipulação dessa massa, alijada dos acessos à educação e até mesmo às condições básicas de sobrevivência. Aliado a isso, está o fato do rádio trazer consigo uma característica até então secundária no meio de comunicação impresso: o entretenimento. Sem escolarização, sem acesso direto à participação social através do exercício pleno da cidadania ou do consumo, a maioria da população – principalmente a de países em desenvolvimento como os da América Latina - se envolve facilmente nas tramas melodramáticas das radio-novelas ou dos programas de auditório. Mesmo assim, ressaltase, passam a ter uma oportunidade a mais de informação sobre os fatos de sua cidade, seu país ou mesmo de outros países e continentes, como ocorreu, por exemplo, ao ouvir os plantões de notícias que informaram o fim da Primeira Guerra Mundial.
            Foi, entretanto, no final do segundo conflito, a partir de 1945 que a sociedade teve acesso à invenção do mais abrangente meio de comunicação já existente: a televisão. Através dela, a partir da década de 50 o mundo se conectou e se transformou no que McLhuan denominou de Aldeia Global.(GIOVANNINI, 1987) Um africano pode ver na sala de sua casa a benção do papa na Itália ao mesmo tempo que um sul americano ou um asiático. O mundo entrou em suspense. A qualquer momento, um plantão pode entrar no ar para informar um ataque terrorista, um fenômeno natural que mata mais de cem mil pessoas, um casamento de princesa ou uma partida de futebol. O mundo está sob a mira de vigilantes que zelam pela sua ordem. Tudo o que a contrariar, será imediata e simultaneamente divulgado.
            Novamente o paradoxo: a televisão aproxima os povos sejam eles de continentes ou de regiões diferentes dentro de um mesmo país. Ao mesmo tempo, reforça suas diferenças e desigualdades à medida em que para uns é apenas mais uma fonte de informação e lazer e para outros a única e incontestável fonte de informação dos principais fatos do mundo, superando inclusive a ação de outras instituições democráticas como a escola, a família ou o Estado.
            Numa pesquisa realizada no final da década de 90, constatou-se que para 70 % da população brasileira a televisão é a única fonte de informação dos fatos do Brasil e do mundo e a única forma de participação – ainda que imaginária – dessa população nos acontecimentos ao seu redor. (DALLA COSTA, 1999)
            É essa mesma população que vive em um país, na qual uma outra parcela, minoritária tem acesso a mais atual das invenções de comunicação: a Internet.

1.4- A Internet e a consolidação da Sociedade da Informação

‘Certamente o acesso às máquinas não reduz as desigualdades sociais, mas ao menos dá a alguns o sentimento real de é possível um curto circuito.” (WOLTON, 1999, p. 90)

            Desenvolvida a partir dos avanços de pesquisas iniciadas já durante a Segunda Guerra mundial, a Internet revoluciona de vez os sistemas até então existentes de comunicação humana. Além disso, é um dos marcos de uma nova era denominada de pós-industrial.
            A criação de uma Sociedade da Informação, na qual bancos de dados ficam conectados às grandes redes de comunicação, caracteriza segundo MATTELART (2002) uma verdadeira metamorfose das políticas públicas. O Estado, antes pilar da sociedade democrática, torna-se mínimo em prol de organizações empresariais que extrapolam fronteiras nacionais e continentais.
            Apesar dessa constatação de que mais uma vez uma invenção de comunicação está diretamente ligada às condições de produção da sociedade, a rede de computadores e a Internet trazem a possibilidade nova de interação emissor-mensagem-receptor. Todas as formas anteriores de acesso à informação e ao conhecimento se tornam obsoletas e defasadas. Conseqüentemente, a relação do homem com o espaço e o mundo se altera, da mesma forma em que é alterada sua forma de expressão e de reconhecimento próprio.
            Segundo GUATTARI (in MATTELART, 2002) “a inteligência e a sensibilidade são objeto de uma verdadeira mutação em razão das novas máquinas informáticas que se insinuam cada vez mais nos motores da sensibilidade, do gesto e da inteligência.” Por isso, WOLTON (1999, p. 193) defende a tese de que mais do que entender a técnica propriamente dita é necessário compreender “a maneira pela qual os homens se comunicam entre si e fomo uma sociedade organiza suas relações coletivas .”
            A internet revoluciona as formas até então vigentes de acesso à informação e ao conhecimento, mas não resolve por si só o problema da desigualdade entre os hemisférios norte e sul. Cohabita num mundo em vários estágios de desenvolvimento: de sociedades agrícolas às pós industriais das mais avançadas.  É, ela própria, o divisor de águas entre um e outro estágio. Segundo o jornal Gazeta do Povo, uma pesquisa realizada em 16 países e veiculada pelo site da BBC indica que os jovens brasileiros entre 14 e 24 anos são os que têm maior número de “amigos virtuais” (pessoas com as quais se relacionam apenas pela internet): 46, para uma média global de 20. A mesma pesquisa mostra que além de se destacar pelo número de amigos na internet, os jovens brasileiros também fazem parte de um pequeno grupo que adora as novidades tecnológicas. “Os jovens não vêem, ‘tecnologiacomo algo independente – é parte de suas vidas “, diz Andrew Davidson, vice-presidente da VBS International Insight, uma divisão da MTV Networks encarregada de fazer pesquisas.ii

1.5- Uma proposta de cidadania

“A cada invenção tecnológica, a sociedade atribui aos processos comunicacionais, desenvolvidos em torno da invenção, uma expectativa educacional” (BRAGA E CALAZANS, 2001, p.10)

            WOLTON  (1999, p.33) afirma  que os homens “diante das  tecnologias de comunicação, são, como o coelho  branco de Alice no país das Maravilhas, sempre em atraso, sempre apressados, sempre obrigados a ir mais rápido”.
            A internet, sem sobra de dúvidas, aumenta essa sensação de “correr atrás do prejuízo” que impregna a vida moderna. Seja no âmbito individual, pois o cidadão tem que estar sempre informado e atualizado para sobreviver. Seja no âmbito coletivo, no qual a maior parte dos países do mundo,  têm que adequar suas economias, seus valores e suas características às exigências daqueles que alcançaram antes  o avanço tecnológico e, por isso mesmo, impõe sua supremacia sobre os demais. Vivemos numa sociedade de coelhos brancos atrás da Alice no país das maravilhas, ainda que esses coelhos tenham mais chances de alcançar seu alvo, do que os de gerações anteriores.
          WOLTON (1999) defende também a idéia de que o essencial da comunicação não é de ordem técnica e sim antropológica e cultural, porque a performance das técnicas não pode jamais substituir a lentidão e a imperfeição da comunicação humana. Assim sendo, a expectativa de democracia e de liberdade e transparência trazida por cada nova invenção técnica de comunicação, só pode ser efetivada a partir da ação humana.
            Não é o meio em si que emancipa o homem – embora paradoxalmente o faça – e sim o homem que pode  ou não conquistar sua autonomia intelectual, social e política dependendo da maneira como utilizar cada uma dessas novas invenções.
            MATTELART (2002, P. 171) na mesma linha de raciocínio acrescenta que “nenhuma pedagogia de apropriação cidadã do meio técnico pode se eximir da crítica das palavras que, pretensamente apátridas, não cessam de se imiscuir na linguagem comum e de enquadrar as representações coletivas”.
            A idéia sempre recorrente de  que  cada novo meio traz em si uma expectativa de ação educativa, na verdade é invertida. É através da educação que o homem deve ser preparado para a autonomia e liberdade que lhe permitirá utilizar as invenções da comunicação em prol do bem comum. E tal educação passa pela elucidação do indivíduo para os novos sentidos produzidos pelas tecnologias de informação e comunicação.
            Se cada uma das invenções aqui mencionadas alterou a forma como o homem compreende e se relaciona com o mundo em que vive, a ação educativa tem que ser ainda mais rápida que o coelho da Alice. Em nome da solidariedade universal e do progresso sem fim e sem limites, solidificaram-se grandes abismos econômicos e culturais entre as nações.
            “O mundo”, afirma MATTELART (2002, p. 173) “é distribuído entre lentos e rápidos. A rapidez se torna argumento de autoridade que funda um mundo sem lei, onde a coisa política está abolida.” E em relação ao saber, o autor é ainda mais enfático:

                                 Ao nos fazer crer que o acesso via Internet ao “saber universal”, que
                           necessariamente terá a sua fonte nos monopólios de saber já existentes,
                               resolveria o problema não apenas da fratura digital mas também o da
                                 fratura social, os especialistas em educação das grandes instituições
                           financeiras, tal como o Banco Mundial, insuflam uma nova juventude à
                                    concepção difusionista do desenvolvimento que parecia ter ficado
                                      obsoleta com o fracasso das estratégias inspiradas pela ideologia
                              quantitativa da modernização. A sociedade das redes está longe de ter
                                   colocado um fim ao etnocentrismo dos tempos imperiais.(Ib idem)

            A tecnologia da informação e da comunicação, da mais arcaica forma de escrita a mais sofisticada mensagem digital, continua representando uma esperança de engrandecimento e libertação humana. A comunicação não pode ser reduzida à sua dimensão técnica e à educação cabe o papel cada vez mais desafiador de desenvolver os conhecimentos necessários para relativizar essa ideologia técnica que tão bem tem servido aos propósitos daqueles que desde o início da história souberam identificar e preservar o poder da informação e do conhecimento.

2- As Características dos Meios de Comunicação de Massa

            “Nós não devemos nos acomodar por mais tempo a uma escola centrada no verbalismo, nos manuais, nos manuscritos, no balbucio de suas lições, na caligrafia de seus modelos; estamos em um século marcado pela imprensa, pela imagem fixa e móvel, pelo disco, pelo rádio, pela máquina de escrever, pela fotografia, pela câmera, pelo telefone, pelo trem, pelo automóvel e pelo avião.” Celéstin Freinet

            A tradução adaptada dessa frase de Freinet iii, escrita há mais de 30 anos, aponta uma das questões centrais do desafio da comunicação-educação: os meios de comunicação de massa devem ser compreendidos  a partir de suas características e  no contexto sócio econômico e político no qual estão inseridos. Isso significa, antes de mais nada que, como afirma Jacquinot-Delaunay (1995) não existe um programa ou projeto de educação para os meios que atenda indiscriminadamente qualquer país, ainda que todos estejam inseridos numa sociedade predominantemente influenciada pela comunicação de massa.
            Apesar de partir dessa premissa  – a de que todo meio deve ser analisado e compreendido no seu contexto sócio-econômico-cultural e político  – deve-se considerar que existem características próprias dos meios como um todo e de  cada um deles em particular. A primeira delas, já foi descrita neste texto que é a de sua relação direta com o sistema capitalista de produção. Todo produto midiático é também um produto de consumo e está diretamente determinado pelas condições de mercado no qual é produzido. Mais do que isso, segundo Braga e Calazans (2001, p. 18) “os meios de comunicação e seus produtos formam o principal sistema material produtor e circulador de informação na sociedade moderna.”
            Diferentemente das demais inovações tecnológicas, os meios de comunicação modificam a forma de pensar das pessoas e sua maneira de perceber o mundo e de agir. Daí a necessidade de serem considerados no processo educativo. Ferrés (1996), por exemplo, ao analisar a televisão, o veículo de comunicação de maior penetração junto às massas, aponta algumas de suas principais características. A primeira delas é a hiperestimulação sensorial, proporcionada pelo movimento, um dos grandes atrativos da televisão como recurso para a captação da atenção e como elemento gratificador para mantê-la. Ou seja, através de técnicas cada vez mais sofisticadas de captação e edição de imagens, a televisão desenvolve meios de cativar o telespectador e mantê-lo atento à sua programação. Continuando esse raciocínio, o autor aponta que o fenônemo do zapping (a troca de canal durante a emissão da programação) é uma outra prova da necessidade psicológica de um ritmo trepidante nos programas de televisão, como conseqüência da modificação dos hábitos perceptivos das novas gerações. Tais hábitos podem ser também verificados pela freqüência com que esses jovens mudam as estações de rádio ou assistem aos clips, produzidos em ritmos também mais acelarados. Para Ferrés (1996, p.19), essas “montagens trepidantes, cortes, elipses, falta de continuidade narrativa e ziguezagues imprevisíveis provocam uma das conseqüências mais evidentes da hiperestimulação sensorial que é a visão fragmentada da realidade”. Em um telejornal, por exemplo, tem-se um conjunto de informações que são narradas sem nenhuma ligação entre si, formando uma espécie de “colcha de retalhos” dos principais acontecimentos do dia, ou aquilo que Abraham Moles denomina de “cultura mosaico”.
            Braga e Calazans, na mesma linha de análise, afirmam que “ao se dotar de mediações tecnológicas para desenvolver interações sociais, a sociedade não apenas acrescenta instrumentos que aceleram e diversificam sua comunicação, mas acaba por modificar seus próprios processos. Daí o surgimento de denominações como “sociedade da comunicação e da informação ou sociedade midiática”. Por isso, continuam, “em grande parte, essa marca desenvolvida através do século XX, decorre da forte intensidade, diversidade e rapidez com que, crescentemente, a interacionalidade mediatizada se inscreve em todas as atividades humanas e sociais”. Uma das principais mudanças desse novo processo de interação social é justamente a diversidade de linguagens proporcionadas pelas novas tecnologias, que acaba com o predomínio da linguagem escrita e introduz a linguagem audiovisual e a cultura da imagem. Ao fazê-lo, provoca uma maneira diferenciada de ver o mundo nos indivíduos.
            As análises sobre esse novo processo de aquisição do conhecimento ou de reconhecimento do mundo apontam como principal diferença que a linguagem audiovisual potencializa o pensamento visual, intuitivo e global, em detrimento da capacidade de pensamento lógico, linear e seqüencial, potencializados pela linguagem escrita. Assim, uma informação transmitida, por exemplo pela televisão, causa no telespectador um impacto emocional muito maior do que se ele tivesse tido acesso a essa mesma informação através da linguagem escrita. Braga e Calazans atentam para duas características da estrutura e da inserção dos meios na sociedade mediatizada. A primeira delas é a inclusividade: a fotografia, o rádio, a televisão e o cinema oferecem som e imagem como matérias de objetivação, mas propõem também outros modos de representar o mundo (outras percepções e maneiras de construir esse mundo) e incluem (no sentido de captar, adicionar, subsumir) tudo o que, em termos de som e/ou imagem possa ser representado. Essa inclusão de processos (e não apenas de “objetos”) desenvolve a segunda característica que os autores denominam de penetrabilidade: “o meio/processo de comunicação penetra nos processos sociais, modificando-os em função de seus próprios modos operatórios.” (p.31).

E afirmam:
                             ...a importância dos novos meios não deriva apenas dos oferecimentos
                                  imediatos que nos fazem (imagem, som, registro, reprodutibilidade
                                  técnica, aceleração, simulação, virtualização); mas também de suas
                       características modificadoras das objetivações possíveis na Comunicação:
                       inclusividade e penetrabilidade. E, a partir dessas ações modificadoras, as
                       mudanças de percepção, que levam a outras experiências (e tentativas tipo
                               ensaio-e-erro) de construção do social por parte dos produtores e dos
                               usuários.(p.32)

            Neste novo contexto tecnológico e mediático, novos desafios são impostos à escola, a instituição que ainda é responsável pela formação dos novos cidadãos. Segundo MartinBarbero (apud CITELLI, 2002, P.108)
...um desafio cultural, que torna visível a distância cada dia maior entre a
cultura ensinada pelos professores e aquela outra aprendida pelos alunos.
Pois os meios não só descentram as formas de transmissão e circulaçãodo
saber como também constituem um decisivo âmbito de socialização
através de mecanismos de identificação/projeção de estilos de vida,
comportamentos, padrões de gosto. É apenas a partir da compreensão da
tecnicidade mediática como dimensão estratégica da cultura que a escola
pode inserir-se nos processos de mudanças que atravessam a nossa
sociedade. (grifos do autor).

            Finalmente, é importante inserir nesta análise da relação possível e necessária entre comunicação e educação, a compreensão que se tem hoje de que é na recepção que a ensagem realmente ganha sentido. Ou seja, apesar de se reconhecer as características dos eios de comunicação de massa, seu poder avassalador de convencimento e formação de epresentações sociais, não se despreza o fato de que tais mensagens adquirem sentidos ociais a partir das mediações culturais presentes em todo o processo comunicativo.  A recepção é um processo de interação ou de “negociação de sentidos” (MARTINBARBERO,  1995, p. 57). Cabe à escola, desvendar os meandros desse processo de negociação de sentidos, as determinações objetivas e subjetivas, macro e micro sociais, que o determinam. Sem esse desvelar, toda e qualquer formação/educação estará incompleta e será inadequada ao nosso tempo.

Considerações Finais

            Na primeira parte deste texto, procurou-se mostrar que a história dos meios de comunicação evidencia um paradoxo: cada novo meio representa uma nova forma de persuasão e convencimento das massas ao mesmo tempo em que cria um espaço  mais democrático de produção e circulação de informação. A cada nova tecnologia da informação e da comunicação a sociedade adquiriu formas  diferenciadas  de perceber, interpretar e representar o mundo em que vive. As condições políticas, sociais e econômicas dos povos, foram por sua vez, condicionando e determinando a maneira como tais tecnologias foram sendo utilizadas.
            Do desenvolvimento da fala ao dos modernos meios eletrônicos de comunicação, a humanidade percorreu um caminho marcado pela desigualdade social e pela concentração de riquezas, poder e conhecimento nas mãos de poucos. A trama dos meios de comunicação de massa é significado e significante deste processo. Portanto, a relação comunicação educação é mais do que nunca necessária. Não se educa o indivíduo para a sociedade sem educá-lo para compreender o sentido social dos meios de comunicação de massa na sociedade.
            E como fazê-lo na realidade objetiva em que a escola se insere? Não existem pistas ou receitas pré-determinadas. O primeiro passo é o  da inserção da discussão desse papel social dos meios na própria formação dos professores. O segundo e talvez um dos mais importantes, é buscar separar essa análise dos preconceitos com que a escola sempre olhou para a mídia e esquecer de uma vez por todas o juízo maniqueísta segundo o qual a escola é sempre boa e a mídia sempre muito ruim. Não se trata de julgar a mídia, mas sim compreender suas características  e suas implicações objetivas e subjetivas na vida de pessoas que são reais e se inserem em determinadas realidades.
               Esse processo de “desvendar a trama da mídia na sociedade” deve ser ele próprio dialógico  – no mais pleno sentido freiriano  – e democrático. O aluno/indivíduo deve ser preparado para ter o seu próprio senso crítico a respeito da mídia  e não a repetir o senso crítico de seus professores.  Ensinar a ser crítico é também ensinar o aluno a respeitar seus gostos e opiniões, a defendê-los se for preciso.
            Finalmente, é preciso que se trabalhem as características próprias dos meios, suas linguagens e especificidades, as características da imagem e as possibilidades e limitações que esses meios oferecem. Se contemplados todos esses aspectos, a educação para os meios englobará os elementos imprescindíveis para a compreensão do sentido dos meios na sociedade atual: a análise do contexto objetivo no qual estão inseridos, as características de sua linguagem e as condições e características de sua recepção.  A escola é o lugar por excelência para que esse processo possa ser realizado.

REFERÊNCIAS:

BACCEGA, Maria Aparecida. Gestão de Processos Comunicacionais. São Paulo: Atlas, 2002.

BRAGA, José Luiz; CALAZANS, Regina. Comunicação & Educação. São Paulo Hacker, 2001.

BRIGGS, Asa; BURKE, Peter. Uma História Social da Mídia: de Gutenberg à Internet. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2004.

CITELLI, Adilson.  Palavras, meios de comunicação e educação. São Paulo: Cortez, 2006.

FERRÉS, Joan.  Televisão Subliminar: socializando através de Comunicações Despercebidas. Porto Alegre, RS: Artmed, 1998.

FERRÉS, Joan. Televisão e Educação. Porto Alegre,RS: Artes Médicas, 1996.

GIOVANNINI, Giovanni. Evolução na Comunicação: do sílex ao silício. 3 ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1987.

GONTIJO, Silvana. O livro de Ouro da Comunicação. Rio de Janeiro: Ediouro, 2004.

JACQUINOT-DELAUNAY.  De La necessite de rénover l’éducation aux médias. In: Communication, Vol.16, nº1, 1995, p.19-35.

JEAN, Geores. A escrita:  memória dos homens. São Paulo: Objetiva, s/d.

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WOLTON, Dominique. Penser la communication. Paris: Flamarion, 1997.                                               


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ii
  Jovens Brasileiros “amam” tecnologia. In: Gazeta do Povo, 5 de agosto de 2007. Caderno Viver Bem, p. 22.
iii
FREINET, IN: CITELLI, Adilson. Comunicação e Educação: aproximações. In: BACCEGA, M.A. (ORG.).
Gestão de Processos Comunicacionais. São Paulo: Editora Atlas, 2002, p.101-112.
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